O sector das transportadoras e da logística em Portugal vive um momento de viragem sem precedentes.
POR: Olga Pamplona, Regional Business Director da Randstad
Numa economia marcada pela incerteza e pela aceleração tecnológica, a forma como se gerem cadeias de abastecimento tornou-se um dos maiores factores de competitividade – não só para as empresas que operam no sector, mas para o país como um todo. Se pensarmos, todas as indústrias dependem de cadeias logísticas eficientes: da indústria automóvel ao retalho, da agricultura ao e-commerce. Quando a logística falha, toda a economia se ressente; quando é eficiente, multiplica valor ao longo de toda a cadeia. É por isso que defender a modernização logística é, na prática, defender crescimento, emprego e investimento.
O debate deixou de ser “se” a tecnologia e o ESG vão transformar a logística e passou a ser “como” e “a que velocidade”. A resposta certa não é apenas comprar robots ou mais software; é colocar talento, tecnologia e sustentabilidade a trabalhar em conjunto, com métricas claras de produtividade, qualidade e impacto ambiental. Esta é a perspectiva que temos da nossa experiência com clientes do sector.
O transporte e a logística representavam, em 2024, 4,6% do emprego total em Portugal. No 1.º trimestre de 2025 empregavam cerca de 237 mil pessoas, traduzindo um crescimento de 0,5% face ao período homólogo (ligeiramente abaixo da média nacional). É um sector muito masculinizado – oito em cada 10 trabalhadores são homens – e, ao mesmo tempo, altamente qualificado: três em cada quatro profissionais têm qualificações formais.
Grande parte das funções exige presença física, mas o sector enfrenta uma transformação estrutural guiada por três pilares: digitalização, sustentabilidade e novas expectativas dos profissionais. A volatilidade geopolítica e de custos obriga a gerir risco com mais ciência; a aceleração digital, por sua vez, impõe ganhos rápidos de eficiência e previsibilidade. O resultado é claro: a resiliência das cadeias de abastecimento tornou-se uma prioridade diária.
As principais tendências que moldam o futuro da logística passam pela logística preditiva, onde a inteligência artificial e o machine learning já permitem antecipar procura, optimizar inventários, redistribuir recursos e eliminar estrangulamentos em tempo real. Este avanço garante previsibilidade e capacidade de resposta em picos sazonais ou perante anomalias inesperadas. A última milha sustentável é outra das grandes mudanças, com a aposta em micro-hubs urbanos, rotas multimodais e frotas eléctricas ou de baixas emissões, que reduzem custos por entrega e melhoram a experiência do cliente.
Em paralelo, as empresas estão a investir em plataformas integradas que ligam WMS, TMS e ERP, criando uma visão única sobre pedidos, stocks e capacidade, o que permite decisões baseadas em dados e maior colaboração entre parceiros da cadeia de valor. A transparência em ESG também se tornou central, com reporte de emissões por rota, ecodesign de embalagens e indicadores sociais a influenciarem cada vez mais as decisões de negócio. Finalmente, ganha peso o talento híbrido, com perfis que combinam operação e tecnologia – desde técnicos de automação a analistas de dados de supply chain ou gestores de frota eléctrica – tornando-se críticos para responder às novas exigências do sector.
O DESAFIO DO TALENTO
Atrair e reter pessoas continua a ser um ponto sensível. Os barómetros Randstad (Workmonitor e Employer Brand Research) mostram um tripé claro nas decisões de carreira: remuneração competitiva, equilíbrio vida-trabalho e segurança. No terreno, isto traduz-se em escalas previsíveis, descanso efectivo, planos de progressão transparentes e comunicação de propósito. A experiência do candidato é também crucial: processos rápidos, feedbacks claros e onboarding que prepare para a realidade operacional. Empresas que tratam o talento como activo estratégico têm menor rotatividade e melhor qualidade de match entre perfis e funções.
O sector tem dado passos visíveis no sentido da modernização e da valorização dos seus profissionais. Apesar de ser tradicionalmente considerado pouco atractivo, os salários têm vindo a tornar-se cada vez mais competitivos, revelando um esforço claro de transformação. Num contexto marcado pela escassez não apenas de talento, mas até de pessoas disponíveis para integrar o mercado de trabalho, a aposta em upskilling e reskilling surge como condição essencial. Uma empresa que investe na formação e no desenvolvimento das competências dos seus colaboradores torna-se, inevitavelmente, mais atractiva.
A pressão mantém-se em motoristas de pesados e operadores de armazém, mas cresce sobretudo em perfis “tech-operacionais”: especialistas em WMS/TMS, técnicos de automação e AMR, analistas de supply chain, planeadores de última milha e gestores de frota eléctrica. À medida que a electrificação avança, sobem as necessidades em gestão de energia e manutenção eletrotécnica. A escassez acentua-se em picos como Black Friday e Natal, exigindo pools de talento dimensionadas, staffing ágil e relações de longo prazo com parceiros de recrutamento.
Ainda assim, persiste uma percepção de desvalorização quando comparado com outros sectores que gozam de maior reconhecimento social e mediático. No entanto, os dados do INE são claros: em média, a remuneração nesta área é superior à média da economia portuguesa. Tal evidência contrasta com a imagem que muitas vezes é projetada, revelando um desfasamento entre a realidade e a percepção.
Além das competências técnicas nucleares (condução, manuseamento, segurança), destacam-se: literacia digital aplicada à operação, análise de dados, noções de IA generativa e preditiva, eco-condução, planeamento digital de rotas, gestão de energia em armazéns, compras sustentáveis e métricas ESG. Nas soft skills, a resolução de problemas, a colaboração em ambientes 24/7, a comunicação entre turnos e a aprendizagem contínua são decisivas para manter operações estáveis em contextos mutáveis.
Os sinais de mudança, contudo, são cada vez mais evidentes. O sector encontra-se num processo de transição em que as melhores condições salariais, a crescente qualificação dos profissionais e a evolução da sua imagem contribuem para reforçar a atractividade. Destaca-se, ainda, o facto de a grande maioria da população profissional já possuir especialização, o que contraria a ideia de que se trata de uma área sustentada apenas em qualificações básicas. Trata-se, pelo contrário, de um sector em que a formação tem assumido um papel central e que se posiciona para responder aos desafios de um mercado exigente e em constante evolução.
A tecnologia só cria valor quando as pessoas a dominam. As empresas mais bem-sucedidas combinam academias internas com micro-learning em contexto de trabalho, certificações modulares e parcerias com centros de formação. Temos visto bons resultados no que diz respeito a apostas em reskilling que preparam operadores e chefias intermédias para funções de maior valor – desde a operação assistida por dados até à coordenação de células automatizadas. O princípio é simples: formação curta, prática, certificada e imediatamente aplicável, com métricas claras (tempo-to-productivity, qualidade, segurança).
As empresas estão a redesenhar processos com células mais curtas e medições em tempo real. No armazém, a automação flexível reduz tempos de ciclo e erros; na frota, a transição energética avança com electrificação progressiva, biocombustíveis e formação em eco-condução. Tudo isto exige governação de dados e métricas ESG incorporadas na operação, não apenas em relatórios anuais.
A automação remove tarefas repetitivas e de risco, mas cria espaço para funções de maior responsabilidade: técnicos de manutenção de robótica, coordenadores de operações data-driven, programadores de WMS/TMS, especialistas de planeamento e analistas de melhoria contínua. As equipas podem tornar-se mais pequenas, mas mais qualificadas; o foco desloca-se do “fazer” para o “orquestrar”. A transição deve ser gerida com comunicação transparente, requalificação e caminhos de progressão, evitando percepções de substituição sem futuro.
Na Randstad, estamos a integrar motores de matching suportados por IA, triagem inteligente de competências e plataformas de avaliação prática em ambiente simulado. Isto reduz time-to-hire, melhora quality-of-hire e dá visibilidade aos candidatos sobre os próximos passos. Em operações sazonais, combinamos analytics de procura com talent pooling para activar rapidamente equipas preparadas. Do lado das empresas, dashboards partilhados oferecem visibilidade sobre SLA de recrutamento, turnover e gaps de competências, permitindo decisões mais informadas e alinhadas com a operação.
SUSTENTABILIDADE COMO FATCOR COMPETITIVO
A descarbonização é um imperativo competitivo. Transição de frotas, planeamento de carregamento e reporte de emissões por rota exigem novas competências (eco- -condução avançada, gestão de energia, análise de ciclo de vida). Também contam as dimensões sociais: saúde e segurança, bem-estar, inclusão e progressão justa. O profissional do futuro combina operação segura, literacia digital e consciência ambiental – e as empresas que investirem neste perfil ganharão preferência de clientes e de candidatos.
Entre os nossos clientes vamos observando uma aposta nestas metas, com programas estruturados de segurança e ergonomia, hubs urbanos de última milha eléctrica, ecodesign de embalagens e compras responsáveis. As que mais se evidenciam alinham a agenda climática com a gestão de pessoas: escalas previsíveis, formação contínua e progressão real para quem prova desempenho. O resultado é um círculo virtuoso: maior produtividade, menor rotatividade e melhor reputação, com impacto directo na fidelização de clientes e na atracção de talento jovem.
O CAMINHO EM FRENTE
A recomendação é directa: olhe-se para a gestão de talento como activo estratégico, ao nível da automação e da infraestrutura. Defina-se uma agenda integrada “Pessoas- -Processos-Planeta”. Pessoas, para atrair e desenvolver talento com novas competências; Processos, para escalar tecnologia com impacto mensurável em produtividade e qualidade; Planeta, para garantir sustentabilidade ambiental e social que o mercado já exige. Quem alinhar estes três vectores ganhará velocidade, previsibilidade e licença social para operar num contexto cada vez mais exigente.
Em suma, a vantagem competitiva não virá apenas de novos robots ou de mais um software, mas da capacidade de transformar equipas, dados e propósito numa operação ágil, segura e sustentável. É esse o desafio das transportadoras e da logística em Portugal: colocar o talento no centro, a tecnologia ao serviço e a sustentabilidade como direcção.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Transformadoras e logísticas”, publicado na edição de Setembro (n.º 234) da Executive Digest.














